Reconhecimento da Amazônia Negra e suas lutas

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5 min readFeb 1, 2023

Por Ana Clara Aguiar, Célia Beatriz Mesquita e Thalita Eduarda dos Santos

Adelmo Máximo tem 19 anos e atualmente é desenvolvedor Back-end no Ludus Lab da UEA.

É comum associar a cidade de Manaus apenas às comunidades indígenas e
ribeirinhas. No entanto, a população negra neste fragmento da Amazônia é
invisibilizada e apagada da história. Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital amazonense é majoritariamente negra, com 72,16% da população identificada como pretos e pardos.

Os primeiros relatos da presença da população negra em Manaus datam de
1849, representando 10% do total de habitantes. É a partir da década 1860, que a região passa por uma explosão demográfica e grandes transformações urbanas.

Durante o Ciclo da Borracha, dezenas de migrantes são atraídos pelo trabalho nos seringais. Assim como o pernambucano e afrodescendente Luiz Alves da Silva, a maioria dessa nova população é nordestina, livres e escravos. O Ciclo da Borracha teve seu primeiro auge entre o período de 18880 a 1910, o que transformou a cidade de Manaus em um dos maiores centros urbanos na época. O segundo pico foi durante a Segunda Guerra Mundial, no qual os chamados Soldados da Borracha eram recrutados pelo governo brasileiro, para trabalhar na região amazônica no extrativismo e exploração do látex.

A filha mais nova de Luiz, a enfermeira Maria Auxiliadora, relatou que o
pernambucano veio, aos 17 anos, durante o fim deste ciclo econômico. “Quando o papai veio de Serra Branca, no Pernambuco, ele tinha 17 anos. O
pai dele morreu cedo e a mãe, mulher negra, tinha muitos filhos para cuidar. Um dia estava passando o caminhão recrutando para ser soldado da borracha aqui em Manaus, ele subiu e veio. E ele trabalhou nisso por muito tempo, até ele se acidentar e ser dispensado”.

A cidade de Manaus abriga também o segundo território quilombola urbano do Brasil. O Quilombo do Barranco de São Benedito, localizado no bairro da Praça 14, foi oficializado em 2014 pela Fundação Palmares. No final do século XIX, Maria Severa foi uma mulher escrava que veio do Maranhão para Manaus. No quilombo, os seus descendentes mantém viva a história, os costumes e as tradições do povo negro.

O reconhecimento da história, da contribuição e da luta dos negros na cidade de Manaus incentiva o fomento e a aplicação efetiva de políticas públicas e afirmativas específicas a este povo. Os remanescentes e descendentes destes continuam, atualmente, na luta por visibilidade, por representatividade dentro das esferas da sociedade amazonense e por oportunidades no mercado de trabalho.

Mercado de Trabalho
De acordo com dados do estudo sobre jovens negros e mercado de trabalho, realizado pelo Núcleo de Pesquisa Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pelo Instituto de Referência Negra Peregum, ainda com o acesso (mesmo que reduzido) aos avanços educacionais, o mercado de trabalho não deixa de ser um impasse para a população negra. Fato que ocorre devido às raízes de um país marcado por racismo histórico e estrutural, o que dificulta ainda mais o desenvolvimento profissional desses cidadãos.

Segundo a pesquisa, cerca de 60% dos trabalhadores e trabalhadoras
informais no Brasil, por exemplo, são negros e negras. Esse público ocupa 6,3% dos cargos gerenciais e menos de 5% das posições executivas. O estudo revela ainda que em oposição ao senso comum, não se observa falta de interesse generalizada entre essa parcela da população, mas nota-se que o maior impedimento está na desigualdade de acesso.

Trazendo a análise para a Amazônia Legal, uma das regiões com maiores
índices de pessoas pretas e pardas do Brasil, a realidade é ainda mais assustadora. Na região, pretos e pardos recebem aproximadamente 30% a menos por hora de trabalho do que pessoas brancas. É o que aponta o levantamento produzido por pesquisadores brasileiros do projeto Amazônia 2030, que analisa desigualdades no mercado de trabalho por raça.

“Os rendimentos por hora são bem diferentes entre não brancos e brancos.
Parte dessa diferença é explicada por características relacionadas à produtividade, como escolaridade, idade, e localidade de moradia. No entanto, quando fazemos as comparações adequadas, ainda identificamos grandes diferenças de rendimentos por raça que apontam que a principal explicação é a discriminação. Ou seja, em condições semelhantes, pessoas pretas e pardas ainda recebem aproximadamente 13% menos, por hora, do que os brancos”, explica o pesquisador e economista Gustavo Gonzaga, responsável pela análise.

Além disso, o estudo mostra que o racismo não se limita à questão salarial, já que na região a população negra é menos escolarizada e com maior probabilidade de atuar na informalidade. Em média, 57% dos pretos estão no setor informal, enquanto para os brancos a taxa é de 48%. E aproximadamente 70% dos não brancos estão empregados sem carteira assinada ou trabalhando por conta própria, sem contribuir para a Previdência.

Cotas raciais e a questão das fraudes
Sancionada em 2012, a Lei 12.711/212, também chamada de Lei de Cotas, é
uma ação afirmativa aplicada no Brasil que determina que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam destinadas para pessoas que estudaram em escolas públicas, sendo que dentro de cada faixa de renda familiar devem ser reservadas vagas a candidatos autodeclarados Pretos, Pardos e Indígenas (PPI). O principal objetivo desta Lei é diminuir as diferenças econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes etnias raciais.

De acordo com um estudo publicado em 2020 pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA)
, em 1992, apenas cinco em cada cem jovens entre 18 e 24 anos cursavam o ensino superior. Já em 2015, três anos após a lei ser sancionada, esse número passou para dezoito jovens nessa faixa etária. Entre os jovens negros, essa taxa saltou de 1,5% para 12,5% em 2015.

Se por um lado a Lei de Cotas ajuda na redução da desigualdade social,
ampliando a diversidade e inclusão social nas universidades e possibilitando um futuro mais próspero para pessoas menos beneficiadas social e economicamente, por outro lado, ela facilita na fraude no ingresso de alguns estudantes. Isso porque, ao se tratar de bancas de heteroidentificação racial, não existem parâmetros concretos para comprovar se a pessoa deve ou não se candidatar para uma das vagas.

Um caso muito conhecido de fraude nas cotas aconteceu na Universidade
Federal do Amazonas (Ufam), em 2020, quando um perfil anônimo do Twitter denunciou pessoas fenotípicamente brancas que entraram na universidade por meio de cotas de pessoas negras e pardas. O “exposed” surgiu no momento em que acontecia uma série de protestos contra o racismo em Manaus e gerou um grande debate nas redes sociais.

Pela lei, a raça é definida por autodeclaração. Uma das soluções encontradas pelas universidades que adotaram o sistema de cotas foi a criação de bancas de heteroidentificação, com o objetivo de analisar as características físicas do candidato, para complementar a autodeclaração.

Ao se tratar dos parâmetros usados pelo Grupo de Trabalho (GT) de
Heteroidentificação da Ufam, por exemplo, segundo o integrante da comissão e membro do Movimento Negro do Estado do Amazonas, Lamartine Silva, “A comissão confere as aplicações das vagas a partir das características fenotípicas, como os olhos, a boca, o nariz, ou até mesmo a própria cor da pele, para assim verificar se a autodeclaração é de fato verídica”.

Lamartine destacou ainda que o papel da comissão é conferir se a
autodeclaração que o cotista está pleiteando é verdadeira. Caso as características fenotípicas não conferirem com a autodeclaração, cabe ao candidato entrar com um recurso, que será avaliado pelo Grupo de Trabalho (GT) de Heteroidentificação.

Confira a entrevista completa no link a seguir: https://drive.google.com/drive/folders/1fqQe6GCwFc6Sfm2-7Zjaj6v3-tTEsecd

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O LabF5 publica conteúdo desenvolvido por estudantes do curso de Jornalismo da Ufam e colaboradores. E-mail: contato.labF5@gmail.com