Águas subterrâneas de Manaus: contaminação silenciosa

LABF5
7 min readOct 26, 2023

A falta de saneamento básico pode causar impactos ambientais negativos nas águas subterrâneas da cidade

Por Camila Barbosa, Francisco Gomes e Sofia Castro especial para o LabF5

Manaus é a maior cidade da Amazônia e enfrenta muitos problemas com a gestão de águas. Reprodução/internet/Naldo Arruda

Dois terços dos 62 municípios do Amazonas abastecem suas populações com águas provenientes das reservas subterrâneas, segundo levantamento realizado por Ingo Wahnfried, professor e pesquisador do departamento de geociências da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em 2012. Em Manaus, o abastecimento de água de grande parte da cidade é feito em sua maioria com água coletada no Rio Negro. Mas há uma parte da população abastecida com a captação de águas subterrâneas por meio de poços subterrâneos.

Manaus tem o privilégio de estar localizada no meio da maior bacia hidrográfica de água doce do mundo, a amazônica. Cercada por rios e cortada por igarapés, poderia ser um exemplo de governança da água potável, mas não é. Atualmente quase todos os igarapés da capital, cerca de 150, estão poluídos.

A rede de coleta de esgoto atende somente cerca de 25% da cidade e trata cerca de 21% desses resíduos, segundo dados do Instituto Trata Brasil divulgados esse ano. Desde 2009, o instituto divulga um ranking com as melhores e piores cidades em oferecer saneamento básico para a população, desde o início das atividades das águas de Manaus, a cidade já avançou 15 colocações e continua avançando com cada vez mais investimentos no setor.

No entanto, a poluição hídrica na capital amazonense afeta não somente as águas de superfície da cidade, rios e igarapés. Mas também as águas subterrâneas provenientes dos lençóis freáticos existentes na região. Lençóis freáticos são camadas de águas subterrâneas em profundidades próximas à superfície de onde se extrai água para consumo e produção humanos.

Manaus está localizada sobre a formação Alter do Chão, o maior aquífero do mundo em volume de água disponível, cerca de 160 trilhões de metros cúbicos de água doce, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Ana).

Porém, essa riqueza natural é ameaçada pelo alto índice de fossas rudimentares construídas pela cidade sem nenhum controle ambiental. Essas fossas surgem para suprir a ausência da rede de coleta de esgoto doméstico que leva os efluentes das residências até uma estação de tratamento. Essa realidade se estende para todo o estado.

Nascente de água localizada na APA Floresta Manaós que circunda o campus da Universidade federal do Amazonas (Ufam). Foto: Reprodução/Ufam/Divulgação

A construção das fossas rudimentares é massificada pelo baixo custo de construção, já que elas se tratam de um buraco cavado no solo e permeado por alguns tijolos sem nenhum tipo de tratamento do material biológico ali depositado sendo infiltrado no solo. Apesar de estarem presentes por toda a cidade, elas são encontradas, em sua maioria, em áreas mais pobres e em áreas rurais.

Segundo Ingo, apesar de as fossas rudimentares não lançarem poluentes pesados no solo como a agricultura com os fertilizantes, que demoram décadas para serem eliminados do ambiente, elas representam uma ameaça à qualidade das águas subterrâneas devido ao grande número de fossas na cidade.

“O problema mais disseminado de contaminação de aquífero no Brasil é a fossa. Então, fica aquela coisa de, poxa, mas a fossa tem um potencial menor de causar doenças do que outras coisas, mas as outras coisas não são tão disseminadas quanto a fossa no Brasil”, explica o professor.

Importância das águas subterrâneas

No Amazonas, para que um poço artesiano seja construído, é necessária uma Licença Ambiental Única e que seja outorgado, receba aval dos órgãos públicos responsáveis para funcionar. No entanto, além dos mais de 2 mil poços em Manaus cadastrados no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), estima-se que Manaus possui cerca de 7 mil poços clandestinos que funcionam sem a outorga e sem a devida estrutura. Entretanto, de acordo com Ingo, estima-se que Manaus tenha mais de 20 mil poços entre clandestinos e licenciados.

Os poços clandestinos representam um problema para a qualidade das águas subterrâneas e sobretudo para a saúde da população, passando a ser um problema de saúde pública a partir do momento em que poços domésticos são construídos de maneira desordenada, sem o devido acompanhamento de profissionais. A situação é preocupante, segundo Ingo, pois esses postos de captação são construídos, majoritariamente, muito próximos às fossas que coletam os dejetos da residência, expondo esses poços a um alto risco de contaminação, dependendo da distância entre as fossas e um poço artesiano, e das condições em que esse poço foi feito.

“O poço tem que ficar perto da cozinha. A fossa tem que ficar perto do banheiro. Então, no final, as duas coisas podem ficar muito próximas uma da outra. Ficando próximas, o poço sendo mal construído, e a fossa não sendo ecológica, eu vou ter um sistema que a própria pessoa está se contaminando. E gerando um risco para sua saúde e para a saúde da família dela. A fossa tem um potencial muito maior de causar doenças de veiculação hídrica para quem está usando a água desse poço. Então, a questão da informação é muito importante também”, explica.

As águas subterrâneas representam uma importante fonte de abastecimento em locais onde a rede de distribuição ainda não chegou. Foto: Reprodução: D24AM/Sandro Pereira/Arquivo GDC

Ingo ressalta que onde houver bons aquíferos, como a formação Alter do Chão, a construção de poços será uma realidade, pois é uma forma barata e boa em termos de qualidade para acessar a água. Porém, segundo o professor, parte da população da cidade acaba achando que todos os poços fornecem água com a mesma qualidade, o que não é verdade, sobretudo em razão da região do aquífero em que cada poço capta a água.

“A parte mais rasa do aquífero possivelmente tem algum tipo de contaminação devido a todas as atividades que a gente executa na superfície”, explica o geólogo, enfatizando ações humanas poluentes no solo, a exemplo da construção das fossas rudimentares. Além disso, Ingo aponta que a poluição do sistema hidrológico também afeta os aquíferos. “Os nossos igarapés estão muito feios. E tudo está interligado: sistema superficial e sistema subterrâneo”, disse.

De fato, segundo o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), poços construídos dentro da margem de 50 metros não oferecem segurança a quem os utiliza, devendo ser evitados.

O pesquisador destaca que, apesar de a utilização das águas de lençóis freáticos ser considerada baixa em comparação ao número total da população manauara, essas águas têm uma grande importância para a cidade na indústria. O levantamento feito por Wahnfried aponta que todas as empresas do Polo Industrial de Manaus (PIM) são abastecidas por águas de poços artesianos.

Ele destaca que a qualidade da água do aquífero sob Manaus pode ser um importante ativo econômico para a cidade devido a sua qualidade e fácil acesso, mas que é preciso ter gestão sustentável desse recurso e um maior controle ambiental. Estudos apontam que há áreas do aquífero que estão tendo seus níveis rebaixados devido ao uso intenso e sem controle. Ele ressalta que uma boa governança da água pode atrair indústrias e gerar mais empregos, além de garantir a saúde das pessoas.

“Toda a indústria de Manaus usa poços. A lei pede para que se houver uma tubulação de abastecimento, as fábricas peguem água, mas essa água é muito cara para os sistemas de produção. Então, eu acho que se a gente fizer uma boa gestão do aquífero, por que não usar o aquífero? Um insumo barato e de qualidade, a água do aquífero, para que as indústrias tenham uma vantagem competitiva de produção aqui na cidade. Porque afinal é isso que a gente quer, a gente quer que existam indústrias aqui para ter emprego com bons salários”, expõe.

Ausência de consciência ambiental

Assegurar a disponibilidade de água potável e saneamento básico é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) para serem alcançados até 2030. Apesar de estar no ranking de piores cidades em coleta e tratamento de esgoto há dez anos, os dados do Instituto Trata Brasil mostram que Manaus teve avanços nessa área.

No ranking de 2023, Manaus estava na 83º posição, tendo alcançado o pior posicionamento em 2017, quando ficou na 98º colocação de 100 cidades. Segundo a Águas de Manaus, concessionária que gerencia os serviços de água, coleta e tratamento de esgoto de Manaus, até 2030 a cidade terá uma rede de coleta de esgoto universalizada e atualmente há obras de expansão da rede em vários bairros da cidade, além de um projeto para implementar o tratamento de esgoto em área de palafitas.

De acordo com Samuel Guedes, químico especialista em saneamento básico na Águas de Manaus, um dos maiores desafios de se implementar redes de tratamento de esgoto na cidade atualmente são as invasões, onde casas estão fixadas próximas a igarapés, o que dificulta a instalação de Estações de Tratamento que cubram aquela área.

Outro problema apontado por Guedes é a falta de adesão por parte da população à rede coleta. De acordo com Samuel, as Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) atualmente atuam abaixo da capacidade diária total devido ao baixo número de residências conectadas à rede de coleta. Ele ressalta que a participação da população é muito importante no processo de universalização da rede.

“Infelizmente há essa barreira que realmente a população às vezes não aceita mesmo. Mas é melhor ela ser beneficiada, porque a partir do momento que disponibilizamos a rede e mostramos que há uma rede, ela já está sendo cobrada, e tem respaldo jurídico para isso. Você está disponibilizando a rede para a pessoa, e, se a partir daquele momento ela está contaminando o solo, é porque ela quer, porque já tá sendo cobrado de qualquer jeito”, explica Samuel, sobre a taxa cobrada pelo serviço.

Para promover educação ambiental e esclarecer à população o processo de tratamento de água e esgoto na cidade, a Águas de Manaus realiza o programa Portas Abertas, em que recebe a população em geral para conhecer as instalações e tirar dúvidas em relação a questões de saneamento básico da população manauara.

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O LabF5 publica conteúdo desenvolvido por estudantes do curso de Jornalismo da Ufam e colaboradores. E-mail: contato.labF5@gmail.com